QUE VI E OUVI
POR FERNANDO BELENS
Cineasta baiano, que participa da Mostra SP 2009 com seu primeiro
longa, Pau Brasil (no elenco, Bertrand Duarte)
O judeu tem o deserto, o povo de santo tem o
resguardo, o cristão tem o pecado, e a imagem na retina está
invertida.
Eu estava no Paraná, no Festival de Cinema, em que
aconteceu um momento que talvez não se repita jamais, o momento-tempo
mágico, entre a exibição do filme “Utopia e Barbárie” e a premiação de
Silvio Tendler como melhor diretor do Festival. Sim eu estava lá, me
perdoem os que não foram.
Havia uma ninfa que preparou o rito: Íttala
Havia Eros e um homem sábio: Cláudio
Havia um condutor de locomotivas: Severo
e uma mulher que não pára: Rosário.
E filmes, muitos filmes e uma tribo de amantes e amigos.
É preciso olhar para o Sul, para a terra das araucárias. Naquele
espaço onde São Paulo desiste e o Rio Grande inexiste, se constrói
algo profundamente delicado, como uma Faca N’água, como um Corisco no
céu diurno.
O FESTIVAL DE CINEMA DO PARANÁ PREMIA
COM O MAIOR VALOR (vírgula), O DIRETOR (ponto).
Eu sabia, acho que quase todos sabiam, que o premio era antes de mil
anos atrás, de Silvio. Não por acordos secretos, arranjos ou
falcatruas. Sabíamos, com o mesmo instinto que leva o cão a saber
nadar, muito antes de conhecer a água. Sabíamos como sabemos que
estamos apaixonados, mesmo que a outra ou outro ainda não saiba.
Sabíamos que poderia e deveria acontecer o ponto mais alto de uma
proposta tão especial, - A VALORIZAÇÃO DO AUTOR-. Aquele era o
Festival onde o Filho de Xangô deveria vencer; vencer por ter moldado
com ferro, fogo e desejo, um filme-painel que jamais será esquecido.
SILVIO VENCEU POR TODOS NÓS: SÍSIFOS-DIRETORES, que carregam até à
mais alta montanha nossas latas de imagens, para na manhã seguinte
vê-las de novo no sopé.
Silvio é nosso Pajé, corpo de ancião e o olhar de criança, ele sabe
que não se ganha sozinho esse jogo duro, de enfrentar o dragão e fazer
prevalecer a delicadeza
Era necessário que também lá estivesse um francês que até tentou falar
em portunhol, uma jovem que lia nas cartas e o sabor de todas as
cores.
SILVIO TENDLER LEVOU DEZENOVE ANOS
PARA REALIZAR “UTOPIA E BARBÁRIE”.
Quando eu ouvi que Silvio ia partir antes da sessão de premiação,
quase que entrei em pânico e perguntei: Mas quem vai receber o prêmio
que todos sabemos, o único que todos sabemos? Ele riu e voltou. Ele
também sabia, precisava completar sua estupenda bruxaria, disfarçada
de tecnologia. Precisava fechar o anel aberto no primeiro dia e que
iluminou todo o festival, pairando sobre Curitiba com a força de um
ancestral. (perdoe-me a rima pobre, mas às vezes a métrica não pode).
Nunca saberemos a totalidade dos signos que formam o corpo de “Utopia
e Barbárie”, o filme é um grande camaleão que a cada aproximação muda
de cor e revela o que não havíamos visto antes e antes, ele é como um
grande painel, tão grande que de longe só podemos ver o conjunto e
perto somente os detalhes; é um filme para várias visitas. Declaro
minha incompetência para naquela sessão, apreender muita coisa além do
êxtase: Estava com a mente iluminada e o coração em frangalhos, com
algo muito maior, que era Íttala, Silvio, o Prêmio, todas as
premonições e um leve bater de asas de borboleta.
Eu vi e vivi aquele momento perfeito, que talvez não volte jamais.
Por isso, falamos e pensamos tanto: “Glauber, Navarro, Pasolini,
Furtado, Santiago, Zapata, Felini, Mia, Amado, Guido, Chiquinho,
Meteorango, Montenegro, Leon, João, Luciano, Misael, Dina, Minotauro,
Lacerda, Brando, Pedro, Ruy e outros tantos, tantos...”
É PRECISO DESAPARELHAR
O OLHAR E VER
O QUE ACONTECE LÁ
NAS TERRAS DO RIO
PARANÁ.
belens
pobre poesia e pura emoção
bahia, 12.10.09
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