quarta-feira, 23 de junho de 2010

DOCUMENTARIO E ARTE E POESIA E DE QUEBRA, SACODE O MUNDO

Por Silvio Tendler
" Sou ligado ao cinema documental e, mais recentemente, ao jornalismo,
atividades que, se não são propriamente artísticas, decerto existem na
fronteira da criação. Jornalismo não é literatura nem documentário é
cinema de ficção. Nosso capital simbólico é muito menor e nosso horizonte depossibilidades é limitado pelos constrangimentos do mundo concreto.
Não podemos voar tanto, e essa é a primeira razão pela qual, com notáveis
exceções, o que produzimos é efêmero, sem grande chance de permanência."
JOÃO MOREIRA SALLES* in
*Um documentarista se dirige a cientistas*
ensaio, derivado da participação do documentarista João Moreira
Salles em simpósio da Academia Brasileira de Ciências
Recebi esse texto numa lista de cineastas cearenses e fiquei pasmo com o que li.
Escrevi:"Será que João nunca leu "Os Sertões "de Euclides da Cunha, originalmente
uma série de reportagens para o Estadão ou não terá assistido Nanouk de Flaherty,
A Chuva de Joris Ivens, O Homem e a Câmera de Dziga Vertov, muitos dos filmes
de Chris Marker?
Apaixonado pelas reportagens de Robert Drew fechou os olhos ao bom cinema
documentário de poesia e agora pretende transformar ignorância em ciência"

O cineasta Duarte Dias acrescentou:
"Concordo com você.E só para aumentar um pouquinho a lista de exemplos, cito os nomes de Tom
Wolf, Truman Capote e Norman Mailer, sendo este último o responsável direto
pela feitura de um documentário de longa-metragem ganhador do Oscar: "When
We Were Kings", de Leon Gast, que saiu no Brasil com o título de "Quando
Éramos Reis".


Voltei a carga:
"Vamos apimentar a lista de documentários de poesia: Que tal o ciclo da Paraíba, começando com "Aruanda"de Linduarte Noronha. depoiis "A Cabra" na Região Semi Árida de Rucker Vieira. Tomamos um atalho e vamos direto para "A Bolandeira"de Wladimir Carvalho". Que tal uma pitdinha do ciclo do Farkas, Brasil Verdade.para concluir digo que os documentários são feitos com maestria e arte, informação e poesia.
Não acredito que João desconheça esses filmes até porque dá aulas na mesma Universidade que eu (PUC-RJ) e pegaria mal para nós ter um professor de documentários que desconheça a matéria.

O documentario é poesia em estado puro injetada direto na veia, entrando no corpo via o coração até atingir o cérebro. Castro Alves já escreveu em 1871: "O Povo é mais sentimento do que idéia...Moralizar com a lira é o fim mais augusto e sublime da poesia". E se documentário é poesia, cumprindo a profecia de Castro Alves o documentário sacoleja as estruturas e age como antídoto a um mundo estagnado e preconeituoso.
Nunca é demais citar "Corações e Mentes"de Peter Davis ou "Now"de Santiago Alvarez. Vejam "O Engenho de Zé Lins" ou revejam "O Evangelho de Teotônio", ambos de Wladimir Carvalho (o maior poeta do cinema brasileiro) e verão que nada ficamos a dever a boa poesia escrita. Wladimir é o João Cabral de Mello Netto do cinema brasileiro.

Sem esquecer os curtas de Sérgio Santeiro e sem complexo de inferiorioridade em relação a outras artes e ciências, navega o cinema documentário, garboso, sacolejando, limpando o mundo das poeiras das mediocridades.

2 comentários:

  1. Muito bem observado, Silvio. Na mosca.
    O jornalismo publicado hoje na imprensa é que é pobre e miserável de literatura.
    O que poderia ser dito de A Sangue Frio? É reportagem, é literatura, é ficção, ou o quê?
    Os gêneros artísticos, assim como as pessoas, são híbridos. Em arte a raça é todas as raças.
    Abraço.

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  2. é estranho mesmo o raciocínio do joão moreira.é um discurso que contribui perigosamente com a tendência que as universidades vêm adotando de privilegiar com maiores recursos as ciências exatas. Além disso, boa parte dos argumentos que ele realça contra as humanas é raso como um pires: não acredito que a maioria das pessoas das humanas e das artes busquem essas áreas pensando em ser abordadas pela revista dominical do jornal O Globo e o que talvez precise ser colocado em xeque seja a ciência exata, que, de tão "dura', não parece estar satisfazendo o desejo do ser humano, em especial o do jovem, por algo que vá além do deserto da solidão de tantas certezas, objetividades e estreiteza de horizontes. além disso,será que na China,por ex., o jovem tem liberdade de escolha...?

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