domingo, 31 de janeiro de 2010

Agora o papo tá ficando sério

Cansados do domínio da burocracia e de ter que fazer um jogo escroto para poder obter recursos para filmar, artistas começam a rebelar-se contra o discurso de incompetentes e despreparados
plantonistas que administram verbas públicas e dominam a política para propor a discussão sobre os verdadeiros valores do fazer cinema.
Aí vão dois artigos recentemente publicados em O Globo que vão ao cerne da questão.
Silvio Tendler


Deu no O Globo
Direito à diversidade
Em artigo, cineastas apoiam receita de Domingos Oliveira para salvar o
cinema brasileiro

Plantão | Publicada em 30/01/2010 às 09h37m
José Joffily, Murilo Salles e Lucia Murat*
RIO - O cineasta, dramaturgo e ator Domingos Oliveira, em seu artigo
na ultima quarta-feira no GLOBO , levantou questões importantes sobre
a atual situação do cinema brasileiro. Uma discussão fundamental que
deve continuar, pois esse cinema é de todos nós, espectadores e
cineastas. Não somente porque trata de investimento do setor público,
mas porque precisamos definir que cinema nós, brasileiros, queremos
fazer e ver. Para nós, trata-se basicamente de defender o direito à
diversidade.

"Domingos Oliveira tem toda razão quando afirma que não há indústria de
cinema no Brasil. Houve tentativas. Mas "indústria", na concepção da
economia clássica, não há. Não existe um "planejamento" industrial da
produção, e não temos "prateleiras" para o "produto", isto é, salas de
cinema. Como podemos dizer que há "mercado de cinema" se existem
apenas pouco mais de 2 300 salas de cinema no país! E se essas salas
são ocupadas em 85% do seu tempo pelo produto importado? E, se não há
qualquer legislação criando isonomia entre produto estrangeiro e
nacional, o que existe em qualquer outro setor industrial no Brasil? O
nosso circuito exibidor é concentrado, elitista e pratica uma política
de preço que inviabiliza o acesso da maior parte da população
brasileira às salas que existem. E, se não há mercado, não há
indústria possível. Respeitamos os movimentos institucionais que
desejam montar essa indústria, mas discordamos frontalmente da
monocultura como proposta.

Essencialmente, o que queremos dizer é que o cinema brasileiro deve
caminhar junto com o país, reproduzindo nas telas a pluralidade que é
nossa marca registrada, a nossa força. O Brasil precisa de seus
filmes, de seus pontos de vista variados, dessa diversidade, dessa
alteridade. E essa necessidade foi sempre atendida por visionários,
artistas, atores, técnicos, que proliferam talentosos e criativos por
todo o país. Nunca fomos reconhecidos pela "capacidade de produção da
indústria cinematográfica brasileira" ou pela qualidade de "gestão de
cinema no Brasil", mas, sim, pelo vigor da pluralidade de nossos
filmes

Estamos hoje submetidos a "business plans", "políticas de mercado" e
"planilhas de resultados". Tudo com a clara intenção de privilegiar os
filmes que pretensamente vão atingir o público. Ironicamente, esses
"pretensos filmes comerciais", realizados através de incentivos
fiscais, não são, como mostrou recente matéria no Segundo Caderno do
GLOBO, em sua grande maioria, lucrativos. Os gestores desse dinheiro
público mal aplicado acabam produzindo produtos híbridos, sem
identidade, que nem se propõem a trabalhar artisticamente, nem se
pagam, pois são arremessados, quando lançados, numa mentira chamada
"mercado".

Como resolver esse impasse? Não temos certeza, mas é preciso abrir
esta discussão e apontar desde já o farisaísmo tecnocrata por trás da
"política de mercado".

O cinema brasileiro existe por causa de seus grandes filmes, pelo
trabalho de seus cineastas, não pelo planejamento gestor de um
pensamento industrial. E hoje, para os realizadores que tentam
construir obras mais autorais, as dificuldades de conseguir recursos
são imensas. Como disse Domingos em seu artigo e vimos confirmar, está
cada vez mais difícil fazer filmes que sejam de conteúdo e tenham
alguma personalidade simbólica.

Em suma, concordamos inteiramente com Domingos Oliveira quando aponta
soluções em direção a um reinvestimento político e qualitativo da
imagem internacional do cinema brasileiro. Isso só se faz com filmes
bons, consistentes, de alta qualidade artística. E, por fim, a grande
questão: hoje a discussão da sala de cinema como solução para o
impasse do "mercado" pode soar como uma discussão bizantina. Não há
cinematografia bem-sucedida no mundo sem uma parceria efetiva da
televisão, no financiamento do cinema e na sua difusão. O resto são
efemérides."
*José Joffily, Lúcia Murat e Murilo Salles são cineastas

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