domingo, 31 de janeiro de 2010

O modelo norte-americano e as efemérides

Joel Zito de Araujo escreveu:


"Creio que é o momento da ABRACI endossar as ponderações fundamentais dos nossos bravos guerreiros, Lucia, Murilo, Silvio e Zé, que confirmam as importantes reflexões de Domingos de Oliveira. E buscar dar o máximo de visibilidade para esse debate. Quem sabe assim não conseguimos alterar essa rota tão desastrosa que vivemos no que se refere à política da Ancine e da Riofilme.
Vou meter a minha colher de pau, tomando o exemplo dos Estados Unidos, que conheço um pouco, para chamar a atenção da falta de "exemplos" consistentes para fundamentar os que são a favor de uma monocultura de mercado para a política cinematográfica brasileira.
O mecanismo de produção cinematográfica nos States é mto mais complexo do que a chamada produção industrial de Hollywood. É um sistema que também se preocupa em alimentar a criação de novos cineastas, novas tendências, novas linguagens, novos estilos. Além de também dar suporte para a produção independente, onde nasceu figuras fundamentais como Spike Lee e tantos outros.
Desde 2005, o cinema independente lança mais filmes anualmente no mercado norte-americano do que o seu cinema industrial (afirmação de Steve Solot).
É por isso que existem o Sundance Film Festival e o Sundance Institute. Que além do festival, apoiam financeiramente novas produções independentes, compram filmes e tem TV a cabo própria, o Sundunce Channel, uma joint venture com a Universal Studios e a CBS.
Mas existe muito mais. Tem as fundações filantrópicas - Ford Foundation, John and Catherine MacArthur Foundation, Kellogs e tantas outras que financiam a fundo perdido produções independentes, com valor artístico. Tem os grandes museus que também dão suporte para produções independentes. E todas elas são geridas por profissionais reconhecidos pelo mercado e pelo meio artístico. Não são fundações familiares como os nomes podem sugerir. Tem regras públicas, vigiadas e punidas qdo desrespeitadas.
E tem as PBS - Public Broadcastng Service, as televisões públicas, que também apoiam e compram documentários, filmes independentes, séries. Lá não tem Ministério da Cultura mas tem as PBS.
Tem a HBO, e as grandes redes que compram regularmente a produção independente, especialmente séries e sitcoms. E é nelas que muitas vezes se preparam cineastas diretamente para a grande indústria blockbuster de Hollywood. É uma éspecie de segunda etapa, depois das PBS e das produções apoiadas pelos filantropos.
Entretanto, precisamos entender que filantropia é parte do sistema de vida norte-americano. É parte da idéia de cidadania deles. É parte do orgulho de mtos capitalistas que querem ser reconhecidos pela sociedade como benfeitores, e não apenas como exploradores. Essa coisa de um pensamento politicamente correto tão criticado por aqui. Embora já tenhamos alguns poucos exemplos de capitalistas com essa mentalidade. Embora com ações um tanto personalistas.
É, portanto, um sistema inteligente que prepara aqueles que querem atuar de forma eficiente para a grande indústria. E que, ao mesmo tempo, alimenta aqueles que não sonham em ser parte do cinema industrial, e querem sua independência para produzir reflexões importantes, produtos artísticos inovadores e um olhar distanciado da mass midia.
Se é para copiar o modelo de mercado norte-americano, que se copie o sistema como um todo. E não somente aquela ponta industrial que tem o mercado do planeta a seus pés. E atua com a retaguarda do congresso e da diplomacia norte-americana, e do pentágono se for preciso, para sustentar a "liberdade de mercado" para os seus produtos.
Já estamos cansados de ouvir afirmativas equivocadas, e até mesmo destrutivas, do tipo: "filme bom é filme blockbuster", "é a bilheteria que demonstra se o filme foi feito para o público ou não", ou "as produtoras pequenas vão desaparecer se não se associarem às grandes" (essa última saiu recentemente em Atibaia).
É hora de mudar!
Espero que nossos gestores públicos tenham a sensibilidade e o jogo de cintura para mudar a rota dos seus vôos que não parecem oferecer assentos para a maioria dos cineastas brasileiros. Nem para figuras fundamentais para o nosso cinema como Lucia Murat, José Joffily, Murilo Salles e Domingos de Oliveira."

Joel Zito Araújo

Um comentário:

  1. Não dá nem para imaginar (ou aceitar) um cinema nacional feito apenas de blockbusters,muito menos financiados pelo estado. Joel Zito deve ser incluído na lista dos fundamentais,que são muitos,graças a Deus.

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