sábado, 5 de dezembro de 2009

Embrafilme: Rejeitam quem. Cara pálida?

O Estado de São Paulo 29-11-2009

Cineastas rejeitam volta da Embrafilme

Fim da estatal quase anulou cinema nacional, mas situação hoje é outra

Luiz Zanin Oricchio

A extinção da Embrafilme em 1990, no início do governo Collor, provocou uma
recessão brava no cinema brasileiro, com a produção caindo a quase zero e
assim se mantendo por alguns anos. Essa situação penosa causou a impressão
de que havia um luto permanente no meio cinematográfico pela morte da
empresa, criada em 1969, durante o governo militar. Engano: sua recriação,
nos mesmos moldes daquela época, parece não despertar o menor entusiasmo
entre os profissionais de cinema.

Fernando Meirelles (de Cidade de Deus) acha que seria um retrocesso, um
verdadeiro andar de caranguejo: "O que não funcionava no modelo da
Embrafilme era o fato de toda a verba pública destinada ao cinema estar
concentrada nas mãos de uma pequena turma que decidia quais projetos
deveriam ser financiados e, portanto, além dos projetos terem a mesma cara
ou direção, pertencer à turma era um pré-requisito para se fazer cinema no
Brasil", disse.

Meirelles, um dos poucos cineastas patrícios com trânsito no mercado
internacional, entende que a vantagem do sistema atual de financiamento é
que o dinheiro pode ser buscado em "milhares" de balcões diferentes. Essa
multiplicidade de fontes de financiamento seria fiadora da "diversidade do
atual cinema brasileiro, com lugar para filmes voltados ao mercado e outros
experimentais, além de muitos documentários", analisa.

"SOVIETIZADA"

Orlando Senna, cineasta (Iracema, uma Transa Amazônica, em parceria com
Jorge Bodanzky), ex-titular da Secretaria do Audiovisual entre 2003 e 2007
durante a gestão de Gilberto Gil no MinC, pondera que "a única vantagem que
a Embrafilme tinha em relação ao sistema atual Ancine/Secretaria do
Audiovisual/Renúncia Fiscal era ser também uma distribuidora". Mas é contra
a recriação pura e simples da estatal, nos mesmos moldes dos anos 70 e 80.
"Retornar a uma empresa centralizada e "sovietizada", voltada apenas para o
cinema, como a Embrafilme, seria um retrocesso. O ideal seria uma agência
mais abrangente do que a atual Ancine, com poder de regulamentação sobre
todo o setor e acoplada a uma distribuidora estatal".

Mesmo o cineasta Roberto Farias (Assalto ao Trem Pagador), que dirigiu a
empresa entre os anos 1974-1979, propõe uma forma alternativa, mas não vê
possibilidade ou sentido na volta ao passado. "Dificilmente se poderia
recriar a Embrafilme tal como era. Talvez seja possível uma espécie de BNDES
do cinema, com flexibilidade para estimular, emprestar e associar-se, como
alguns de nós defendíamos no fim de minha gestão em 1979, e como era o
desejo de Leon Hirszman", diz.

A produtora Mariza Leão, da Morena Filmes (Guerra de Canudos e Meu Nome não
É Johnny) crava sua opinião sem qualquer hesitação. "É old fashion, uma
proposta antiquada; a Embra morreu." Ela admite que a empresa, em sua época,
"foi sensacional, mas não seria agora". Diz que a Embrafilme ajudou a ela e
ao marido, o cineasta Sergio Rezende, quando não passavam de dois garotos.
Mas hoje o mesmo esquema não teria mais o menor sentido.

Cabe lembrar que a Embrafilme era tanto uma produtora quanto distribuidora
de filmes. E, de acordo com os profissionais ouvidos, hoje ela não seria
útil nem em um campo e nem em outro. Com exceção de Orlando Senna, todos
entendem que a distribuição deve ser privada, não estatal.

Farias diz que nenhuma distribuidora é capaz de dar conta de 60 a 100 filmes
por ano, que é a meta brasileira a ser alcançada. E que a incapacidade de
dar conta desse volume de lançamentos prejudicaria os que têm menos chances
no mercado, os mais frágeis. "Já vi este filme. Os interesses imediatos da
empresa e o entusiasmo de seus funcionários se concentrariam inevitavelmente
nos filmes comerciais e, como antes, os "difíceis" seriam arremessados no
mercado e abandonados à própria sorte."

Mariza emenda: "Para aqueles que imaginam que uma distribuidora estatal
possa substituir o legítimo direito de escolha do público, induzindo e/ou
impondo filmes, lamento dizer que isso é fantasia pura."

COPRODUTORA

Farias diz que distribuidora tem de ser privada, "trabalhando filme a filme,
extraindo do mercado cada centavo do seu potencial". E conta que no final de
sua gestão, em 1979, depois de conquistar 40% do mercado, queria privatizar
a distribuidora da Embrafilme, mantendo a empresa apenas como coprodutora.
"Meu desejo era fomentar quatro ou cinco distribuidoras privadas que, por
serem menores, poderiam dedicar-se a todos os filmes de sua carteira,
inclusive os médios ou pequenos". A sobrevivência dessas distribuidoras
dependeria da resposta de público a esses filmes nas salas de exibição.

Como nada disso foi feito, a Embrafilme se arrastou ao longo dos anos 1980,
acabando por ser liquidada, sem um suspiro, no início da era Collor. Se a
sua extinção deixou impressão de saudade foi porque, naquela época, nada foi
colocado em seu lugar e mesmo uma empresa ultrapassada era melhor do que
nada. Hoje a situação é outra.

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