sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Tá faltando Argumento? (1)

Estou inaugurando a publicação de artigos e
contos que podem gerar poderosos argumentos para filmes.
Vamos tirar o cinema da mesmice na qual atola atualmente.
Começo com o artigo de Mauro Santayana


sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Mauro Santayana:: As convenções do calendário
Publicado no` JORNAL DO BRASIL

A convenção do calendário nos adverte de que demos mais uma volta em
torno do sol, é costume fazer do ano a vir pequena e temporária
utopia. Por mais pessoal que seja, nos limites das próprias
aspirações, sabemos que não a edificaremos sem a contribuição dos
outros. Não há ser que possa viver absolutamente só. Para ganhar na
loteria, esse sonho de alforria econômica e social, é preciso que
outros apostem. É assim com tudo: o êxito das nossas empresas, a paz
familiar, a alegria do reconhecimento alheio de nossas possíveis
virtudes. E não é preciso falar nos sentimentos da amizade e do amor.
Indivíduo é aquele quenãopode ser dividido por outro, mas que pode e
deve dividir-se, para multiplicar-se em seus atos e em seus
sentimentos. Ele se faz a partir dos outros, e sua inteligência,
quaisquer que sejam os limites dos próprios atos e do conhecimento
adquirido, irá influir sobre as pessoas com as quais conviva ou possa
comunicar-se.

É raro pensar nessas coisas óbvias, exatamente porque são tão óbvias.

De forma quase natural aproveitamos estes dias de renovação da
esperança para a confraternização. É o retorno à utopia maior, a da
paz.

Quando passarem estas horas, voltaremos à guerra de todos contra
todos, ou de quase todos contra todos, porque felizmente há quem
resista, quem mantenha na alma a chama da solidariedade.

Em magnífico estudo sobre a filosofia do Iluminismo, Ernst Cassirer
recorre ao verbete redigido por Rousseau na Éncyclopédie para definir
a Economia Política: “Resumamos, em quatro palavras, o pacto social
dos dois estados. Você tem necessidade de mim, porque sou rico e você
é pobre; façamos então um acordo entre nós: eu permitirei que você
tenha a honra de me servir, sob a condição de que você me dê o pouco
que lhe resta, pelo trabalho de comandá-lo”. Cassirer observa que, de
acordo com Rousseau, a forma de contrato que tem dominado a sociedade
até hoje pode implicar uma obrigação jurídica, mas se encontra nas
antípodas de todo laço moral autêntico.

Rousseau retorna ao ideal grego republicano. A ordem social só pode
ser construída na liberdade. São os homens, no exercício pleno de sua
vontade, que devem estabelecer as leis, e essas leis obedecem a duas
fontes de legitimidade, a de sua origem e a de seu fim. Elas não
podem, a menos que percam a natureza essencial, violar o fundamento da
igualdade na construção da ordem. No pensamento grego, a inteligência
ética é que deve fixar os limites entre a liberdade individual e a
liberdade coletiva, republicana (política, segundo o étimo).

Essa consciência ética só pode ser adquirida mediante a razão.

Falta ainda um pensador vigoroso que se detenha a redigir tratado
completo sobre a natureza das utopias. Há, e muitos, estudos sobre uma
ou outra elaboração utópica, de Platão a James Hilton (com sua ficção
sobre Xangrilá), isso sem falar na obra clássica de More. A partir do
princípio de que cada um de nós é construtor de utopias – mesmo
aqueles que desprezam planejá-las, mas as edificam na esperança, como
Epimeteu, o irmão dissidente de Prometeu é de se constatar que a
esperança é atributo inseparável do espírito humano. Há a esperança de
realização individual, que move a sociedade de produção e consumo,
exacerbada a partir da tecnologia do desperdício. E há a esperança da
realização coletiva. Dois têm sido os caminhos em busca da realização
coletiva. Um é o da política, da disseminação das idéias, de que o
Evangelho é belo e insubstituível exemplo. Outro, o da força. Quando a
situação se torna insuportável para os oprimidos, eles costumam
rebelar-se da forma que podem, usando o direito reconhecido pelos
humanistas de todos os tempos.

A mais simbólica das rebeliões sociais, a de Espartaco contra o Estado
Romano, foi liquidada por Crasso e Pompeu, com a crucificação de seis
mil escravos ao longo da Via Appia – 72 anos antes de Cristo. No
início, o grande gladiador queria apenas que os escravos pudessem
escapar do jugo e refugiar-se em seus países de origem. Mas seus
comandados queriam mais, queriam o poder para construir uma sociedade
igualitária – e por isso foram massacrados.

Mas as utopias são necessárias. Ao tentar realizá-las, as sociedades
avançam. Assim foi possível abolir a escravidão, universalizar-se o
ensino, melhorar o nível de vida e da saúde para grande parte da
humanidade. Antes que o homem faça, é necessário que sonhe.

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