quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Tá faltando Argumento? (3)

Projeto que revoga Lei de Anistia fez Jobim ameaçar se demitir

Ministro vê revanchismo na proposta de Vannuchi e fecha acordo com
Lula antes de projeto ir ao Congresso

Christiane Samarco e Eugênia Lopes, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH-3), que se propõe a criar uma comissão especial para revogar a
Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar na véspera do Natal
e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a escrever uma carta de
demissão e a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia
22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo.

Solidários a Jobim, os três comandantes das Forças Armadas (Exército,
Aeronáutica e Marinha) decidiram que também deixariam os cargos, se a
saída de Jobim fosse consumada.

Na avaliação dos militares e do próprio ministro Jobim, o PNDH-3,
proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo
Vannuchi, e lançado no dia 21 passado, tem trechos "revanchistas e
provocativos".

Ao final de três dias de tensão, o presidente da República e o
ministro da Defesa fizeram um acordo político: não se reescreve o
texto do programa, mas as propostas de lei a enviar ao Congresso não
afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base partidária
governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter
revanchista.

Os comandantes militares transformaram Jobim em fiador desse acordo,
mas disseram que a manutenção da Lei de Anistia é "ponto de honra". As
Forças Armadas tratam com "naturalidade institucional" o fato de os
benefícios da lei e sua amplitude estarem hoje sob análise do Supremo
Tribunal Federal (STF) - isso é decorrente de um processo legal aberto
na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores
Carlos Alberto Brilhante Ustra e Aldir dos Santos Maciel, este já
falecido.

Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz
que fala em acabar com "as leis remanescentes do período 1964-1985 que
sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos", outro ponto irritou
os militares e, em especial, o ministro Jobim.

Ele reclamou com Lula da quebra do "acordo tácito" para que os textos
do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda
armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos
"para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto
da repressão política no período 1964-1985".

Jobim foi surpreendido com um texto sem referências aos grupos da
esquerda armada. Os militares dizem que se essas investigações vão
ficar a cargo de uma Comissão da Verdade, então todos os fatos
referentes ao regime militar devem ser investigados.

"Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos
botar a Dilma e o Franklin Martins", disse um general da ativa ao
Estado, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao
ministro de Comunicação de Governo, que participaram da luta armada.
"Não me venham falar em processo para militar pois a maioria nem está
mais nos quartéis de hoje", acrescentou o general.

Os militares também consideram "picuinha" e "provocação" as propostas
do ministro Vannuchi incluírem a ideia de uma lei "proibindo que
logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam
nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade". "Estamos
engolindo sapo atrás de sapo", resumiu o general, que pediu anonimato
por não poder se manifestar.

A decisão de Jobim entregar o cargo foi decidida no dia 21 e teve,
inicialmente, o apoio solidário dos comandantes Juniti Saito
(Aeronáutica) e Enzo Peri (Exército). Consultado por telefone, porque
estava no Rio, o comandante da Marinha, o almirante Moura Neto, também
aderiu. Diante da tensão, o presidente Lula acertou que se encontraria
com Jobim na Base Aérea de Brasília, às 16h30, na volta da viagem ao
Rio, onde foi inaugurar casas populares no complexo do Alemão e
visitou obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento).

Na conversa, Lula rejeitou a entrega da carta de demissão e disse que
contornaria politicamente o problema. Pediu que o ministro garantisse
aos comandantes militares que o Planalto não seria porta-voz de
medidas que revogassem a Lei de Anistia.

Os militares acataram a decisão, mas reclamaram com Jobim da posição
"vacilante" do Planalto e do "ambiente de constantes provocações"
criado pela secretaria de Vannuchi e o ministro Tarso Genro (Justiça).
Incomodaram-se também com o que avaliaram como "empenho eleitoral
excessivo" da ministra Dilma no apoio a Vannuchi.

"Lula age assim: empurra a crise com a barriga e a gente nunca sai
desse ambiente de ameaça", protestou um brigadeiro em entrevista ao
Estado.

Na visão das Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da
ditadura, no dia 21, foi "uma armação" para constranger os militares,
tendo Dilma como figura central, não só por ter sido torturada, mas
por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de
cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um
câncer linfático.

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